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27.8.10

The one

Calos. É o que eu tenho nos dedos de tanto manipular o arame de cobre. A última semana e pouco, não tenho feito outra coisa. Tirar o arame, limpar a veia viva, limpar a madeira morta, aramar tudo de novo e pôr no sítio. Oyacata é muito exigente. Nunca está bem. Limpas-te muito, limpas-te pouco, este arame está mal, este patamar não está bem, este ramo não é aqui... chega a ser, para um ocidental, desesperante. Nunca está bem, há sempre um erro. Chego a ter que despachar 3 árvores por dia. "Mais depressa" diz ele.
Deshi. Asanuma explicou-me o conceito. Deshi é o aluno. No Japão esta aprendizagem dura pelo menos 5 anos. A tempo inteiro. Não será o meu caso... eu sou um gaijin (estrangeiro). Estar aqui 1 ou 3 meses não faz de mim um Deshi. O único até hoje em Taisho-en foi o Mário Compsta. Pois bem, segundo Asanuma, o Deshi, no primeiro meio ano, limpa, arruma e observa o Oyacata a trabalhar. Aprende assim. Neste tempo, auxilia e pronto. Se o Oyacata precisa de uma ferramenta o Deshi deve saber exactamente qual. E ser muito pronto a chegar com ela. Não tem sido bem assim comigo, eu sou um gaijin de passagem por 1 mês... Mas Oyacata acabou por fazer o mesmo. Dá-me uma árvore para trabalhar, começo por limpá-la e depois ele chega e senta-se no meu lugar. Diz-me sempre para ficar atrás dele para ver o que ele está a fazer. Volta não volta estica a mão. No princípio ainda dizia o nome da ferramenta que queria em inglês... depois ou diz em japonês (já me disse que tenho que saber os nomes de cor) ou então não diz nada. Eu é que tenho que saber, consoante o que ele está a fazer qual a ferramenta. E depressa. Quando ele estica a mão a ferramenta certa tem de estar lá. Ele olha para a árvore e se eu percebo que ele vai cortar, o alicate de corte tem que estar na mão... mas atenção, se tiver arames, o alicate corta arame grande é que tem que estar lá. É a maneira tradicional do ensino aqui no Japão.
Pois bem, por estes dias, já preparado para tudo... mais uma “ensaboadela”.... Oyacata disse “Vem comigo”. Seguimos para o “backyard”. Disse-me para trazer um determinado shimpaku. Nova frente, “não gosto da traseira... amanhã vou a Tokyo, e ficas com este para fazer”. Como o Jarek já não está, fiquei mesmo por minha conta. Normalmente, ele ficava sempre com a responsabilidade de acompanhar o meu trabalho. Entre as regas e as limpezas, tentei fazer o meu melhor. Patamar atrás de patamar. O trabalho até se prolongou por mais 1 hora do que é normal. No dia seguinte, Oyacata voltou e olhou para a árvore. Já à espera de mais uma sessão de “isto não está bem”, saiu uma pergunta diferente. “Alguém te ajudou?”. “Não“ respondi. OK, encontra um lugar para ela aqui no espaço das “big trees”. Não mexeu num único ramo. Nada. Bem sei que a fotografia não mostra bem o trabalho deste bunjin de 60cm de altura. Mas para mim, foi uma das árvores que me deu mais luta, mas também mais satisfação. It’s the one.


3 comentários:

Rui Fernandes disse...

Grande trabalho João!

Gostei muito do que fizeste nessa árvore!

Isso só mostra que também estás a ganhar calo na parte estéctica também.

Estar rodeado de tanta qualidade de certeza que apura os sentidos.

Aproveita bem essa passagem aí...

Abraço

Pedro G C Almeida disse...

Olá João,

Apenas um comentário curto para dizer...

Matagiri. Hayaku, hayaku, hayaku!!! ;)

Continua a aproveitar, esses calos todos vão-te dar muito jeito quando regressares.

Um abraço,
Pedro

João Pires disse...

Olá amigos,

Rui,
Bem-vindo! Obrigado pela visita e pelo comentário.
Pois... calos é mesmo o que estou a ganhar. Já nem consigo tirar a fuligem preta do arame dos dedos LOL

Pedro,
... E tu ris-te... Sabes bem o que é um Oyakata zangado com uma ferramenta errada... eheheh... Agora já não me apanha. Deixou de dizer os nomes para ver se eu me atrapalho... mas não consegue ;)

Abr.
João