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12.8.10

Bonsai. The Samurai way

Nota importante: Tudo o que vou descrever e mostrar a partir daqui, não deve ser aplicado directamente noutras situações. O Japão é um país com um clima muito especifico. Agora no Verão, por exemplo, estão temperaturas muito altas mas continua a chover. Os níveis de humidade são muito altos. Já no inverno faz bastante frio. Em muitas zonas chega a nevar. As épocas de crescimento não têm nada que ver com as nossas. Por outro lado, estamos a falar de árvores treinadas em vaso à muitos anos, na maioria dos casos décadas. Podemos dizer que as árvores de Taisho-en são verdadeiros “atletas de alta competição”.
Para exemplificar melhor, os pinheiros a que foi feito o meikiri em Junho, já voltaram a rebentar, as velas já abriram e já estão a começar a ser trabalhados novamente. Dito isto, vamos então à história ;)

O primeiro dia foi fantástico mas muito cansativo. Logo pela manhã começo com as minhas tarefas. Em Taisho-en, o “mais novo” tem a seu cargo as coisas mais básicas. Limpar as ervas daninhas, varrer as passagens, preparar o carrinho do chá ou varrer o workshop. Antes de começar o trabalho, tudo tem que estar limpo.
Como choveu na noite anterior, não há rega. Por isso, vou para o meu lugar. No workshop, trabalho ao lado de Oyacata. Ele, de forma discreta, está sempre com atenção ao que estou a fazer. Mas uma boa parte do tempo o lugar dele está vazio. Apesar da idade, Oyacata é muito “irrequieto”. Não pára um minuto, sempre de um lado para o outro e eu, como “mais novo” tenho que o ajudar em tudo o que é preciso. Por isso, esteja o que estiver a fazer, sempre que ele me chama, paro tudo e vou ajudar. Transportar uma árvore maior para ele trabalhar, apanhar os restos da poda da bancada das gardénias... enfim, Já á muito tempo que não ouvia o meu nome repetido tantas vezes no mesmo dia. “Johao”... “Hai Oyacata” ... lá vou eu outra vez.
Percebi, até pela conversa de Asanuma, que Oyakata ficou intrigado com a história dos “2 anos de bosai” que contei no post anterior. Por isso, nos primeiros dois dias, jogámos uma espécie de jogo, quase um “Quem quer ser milionário” mas em bonsai. A cada desafio superado, passamos para o nível seguinte.

Para começar, quando já estava à espera das famosas gardénias, ele aparece com 3 pequenos Sugui. Não sei o nome em latim nem em inglês porque esta espécie só existe aqui. Parecem juniperus procumbens mas não são sequer juniperus. Parecem ser da família das coníferas mas não tenho a certeza.
Oyokata explica-me como devo fazer a poda, qual o objectivo e qual deve ser a relação entre patamares, ao mesmo tempo exemplifica. Tudo isto é muito rápido. Depois levanta-se e sai. Ao início é estranho, mas já me fui habituando. Oyokata aparece e desaparece constantemente. Nunca sabemos bem onde ele está.
Faço as podas tentando encurtar os rebentos novos, limpar os secos e dar a forma. Quando ele volta pergunta “Done?”. Eu respondo que sim, ele observa as árvores e diz “Shape!”. E aqui veio o primeiro choque. Oyokata pega na tesoura e reduz 1/3 da massa verde. Já percebi o que é que o Alberto queria dizer com “poda kamikaze”...lol. Tento fazer a mesma coisa nas outras duas. Confesso que não estava nada preparado para este tipo de abordagem.

Sugui - Shohin

Dois aleagnus depois (esta história fica para o próximo capitulo que tem mais graça), Oyocata volta com outro sugui um bocadinho maior já com uma pequena “fatia” podada de alto a baixo. “Same Job”. Já mentalizado com este tipo de poda, termino a árvore. Oyokata volta dá uns pequenos toques no trabalho e diz “Hum... Agora, vai buscar o terceiro pinheiro daquela prateleira”. Prova superada ;).

Sugui - Shohin (no limite máx. de 22cm)
Aleagnus - Shohin. Exemplo do antes

Aleagnus - Shohin. Depois

A tarde foi passada com pinheiros. Primeiro, um belo pinheiro negro já a atirar para o grande (60cm). Oyocata explico-me como se fazia a poda de selecção da nova rebentação para preparar o ano que vem. Esta é uma árvore já formada e com muitos rebentos novos, por isso e para fazer bem feito, levei quase duas horas a cortar. Ramo a ramo, patamar a patamar. No fim, Oyocata cortou algumas “pontas” que não queria no desenho e disse “Put back” que quer dizer que está OK e podes voltar a por no lugar.

Como sempre li que os pinheiros negros são os últimos em que os novos alunos mexem, estava na duvida e perguntei “Este é um Akamatsu? (pinheiro vermelho)”... “Não este é um Kurumatso (pinheiro negro). Vem comigo”. Sigo-o pelo meio das prateleiras. “Traz este”. OK, este é que é um Akamatsu, percebo. “Same Job”. Começo a trabalhar e percebo que não tem nada a ver com o pinheiro anterior. Os rebentos são muito mais e amontoados em tufos. Oyakata diz-me para deixar só 2 ou três por conjunto. Percebo que a árvore vai ficar um bocado careca, mas pronto, vamos embora! Já no fim do dia Oyokata, ao passar de saída, olha para o trabalho final e não diz nada. Volto para o apartamento sem saber se estava bem feito ou não... Na manhã seguinte veio o veredicto. “Put back”.

4 comentários:

Pedro G C Almeida disse...

Olá João!

Excelente relato, senti-me em Taisho-en novamente. Devias ter acabado de varrer e de preparar o chá quando o publicaste :).

Já estás a meter a mão em material mais sério! E logo pelos kuromatsu! Depois de um pouco de wax on e wax off sabe bem, não é? :) Pelo que percebi, se conseguires arrancar um "Humm, good..." a Oyakata significa que fizeste um excelente trabalho. Se fizeres alguma coisa mal, vais ouvir "dame, dame, dame! This is mistake." Se corresponderes às expectativas, "Humm, put back".

Quanto aos sugi, serão criptomérias? À distância das fotos parecem, mas não tenho a certeza...

Aproveito este comentário para voltar a agradecer a partilha. É um privilégio enorme poder acompanhar o teu percurso em Taisho-en!

Um abraço e continua a aproveitar ao máximo. :)

Pedro

Gustavo Pessoa Duarte disse...

Olá João,

Sugi-goke é Criptoméria...

Fica aqui uma cábula para alguns nomes que te poderão ser úteis e ajudar:

Ezo ou tohi - É geralmente picea, uma é de Ezo(matsu) a outra é jezoensis.
Aki-nire - é geralmente Ulmus
Beni-shitan - Cotoneaster h.
Boke - Chaenomeles
Buna - Geralmente é uma Faia
Chabo-hiba ou kamakura - Chamaecyparis

Kaede e momiji - Acer tridente e Acer Vermelho
Chosen Matsu - Pinheiro Coreano
Egonoki ou Chisanoki - Styrax
Enoki - Celtis sinensis
Fuji - Wisteria
Gama zumi - Viburnum
Gin-Bayka - Myrtus
Hime shara ou Natsu tsubaki - pode ser Stwartia monodelpha

Hime tokusa - Buxus
Hakujikko ou Saru suberi - Largestroemia

Ichii ou kyaraboku - Taxus
Inu-tsuge - Ilex Crenata
Kaki - Dyospirus
Keyaki - Zelkova
Kuchinashi - Gardenia jasminoides
Shide - Carpinus
Natsu Gumi - Elaeagnus
satsuki ou Tsutuji - Azália
Ringo - geralmente é macieira
Sekiryu, ou zakuro - Punica Granatum

Tosho - Juiperus rigida
Tsubaki - camelia

... e prontos, pagas-me um chá quando voltares!!!

Abraço e boa continuação,

Gustavo

Carpácio disse...

Olá João,

Este "Verão" não podia ser melhor ;) após o report do Alberto durante 3 meses, ter direito a mais um mês é no minimo um luxo mesmo para aqueles que como eu vão lendo o teu blog e não estão no Japão, mas já este "cheirinho" é bom tu então ai deves estar a delirar :)

Muita força neste mês :)

Um grande abraço,
David

João Pires disse...

Olá Amigos,

Obrigado pelos comentários;)

Pedro,
Aposto que estás cheio de vontade de apanhar um avião... quer dizer três;)

Gustavo,
Ora aqui está uma cábula que me vai ser muito útil!
Fica prometido o chá!

David,
Há aqui umas sabinas.... Ó meu amigo! Atá doi!

Abr.
João